quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

És bem-vindo, mas não entres, por favor.



Nesta ilha, que todos amamos, há tanta coisa que nos incomoda. Como as rosas têm espinhos, a ilha tem vidros partidos que nos partem o coração. Hoje fui visitar o Cinema do Aeroporto e vi um filme em exibição há alguns anos, mudo como os primeiros, a preto e branco como os de culto e de terror, daqueles onde há sempre uma sombra que nos ameaça fazer saltar da cadeira. 
O espaço está fechado por decreto e ao abandono por desprezo. Não fosse o Clube Ana e muito do equipamento morria de vez (mantém, por exemplo, um equipamento de ar condicionado na sala de projecção, ligado 24 horas). Quem decretou? Quem desprezou? Sabes?
O espaço tem lugar para quinhentas pessoas sentadas. Incrível, não é? E não é por causa do "cinema", é a cultura, estúpido. Onde antes houve festa, pode continuar a haver festa. Onde antes houve música, pode continuar a haver música. Onde antes houve tanta coisa, tanta coisa pode continuar a haver. Basta um decreto que decrete que afinal o decreto não era definitivo. É que se conseguimos chegar à lua, também conseguimos chegar ao tecto do edifício e reparar o que houver para reparar. Ou não? Alguém anda a sonhar baixo, com os olhos no chão, a farejar apenas os seus interesses. 
Eu estou farto desta porcaria. Digo basta! Que coio de indigentes, de indignos e de cegos! Que resma de charlatães e de vendidos que só pode parir abaixo do zero! (Já dizia o outro...) Basta! Basta! Pim! 
Eu estou farto de ver gente a queixar-se com razão. É tempo de dar razão a essa gente! Não vêm o que nos estão a fazer? Não sabem? Estão a enterrar-nos devagarinho, à espera que só nos demos conta quando a água do mar nos começar a sufocar, devagarinho. Não se lembram das eleições? De qualquer uma? Ai não? As promessas... ricas promessas... mas não, não, a culpa é dos outros. Ouviste, a culpa é dos outros. Ah! Morram os outros! Puta que os pariu, os outros que se fodam. Morram os outros, morram, pim! 
Entretanto, o Cinema do Aeroporto vai cair. A culpa é do outro. Entretanto, o avião vai cair e os que querem aterrar vão pagar uma taxa mais alta. A culpa é do outro. Entretanto, o acesso à Cascata do Aveiro vai-se fazer pela ribeira, essa mesmo! Mas a culpa não é tua, é do outro, não te preocupes. Entretanto, tens de morrer sem tratamento. A culpa é do outro. Entretanto, podes consolar a tua mágoa no novo hotel da Praia Formosa, que o outro deu um jeitinho de não ser sempre o mau da fita, por isso não o mandes sempre para o caralho que ele, às vezes, também tem uma ideia boa. Entretanto, estás outra vez a levar nas trombas com uma carroça de areia, porque é tempo de eleições outra vez e os outros vêm todos ter contigo a dizer que estão a fazer uma pausa na caralhice. Mas ao menos recebes umas camisas e uns bonés e já não estás tão pobre nem tão sozinho porque até subiram o alto à tua procura para te dizer que vão fazer um centro para te ocupar o tempo, de dia e de noite, mas isto se não houver outros a querer o contrário. Filhos da puta dos outros, conte com eles, senhora. Percebe? A gente é que vale a pena, não os outros. Sabem quem são? São iguais à gente e quando vierem aqui amanhã, não se esqueça, lembre-se de nós, os outros. Entretanto, rapa-se o fundo do mar e antes que venham os russos e os alemães, os outros foderam o sossego às jamantas. Entretanto, tu deixas de ter dinheiro e já não precisas de te preocupar com mais nada. Já nem os outros te podem valer. Mesmo assim, vale a pena ter mais um fôlego e dizer-lhes que são asquerosos. Entretanto, tu querias dizer o que pensas, mas tens medo dos outros. Morram os outros, morram os outros! Pim, pam, pum! 
E nada disto era preciso. Um texto que até começou tão bem, com uma flor delicada... mas que se foda. Um gajo também não tem que se armar em fininho a vida toda. Eu tenho sentimentos, porra. Eu sofro! E choro! Tenho esta angústia dentro de mim porque sei que nos estão a foder pela calada. Não nos mintam, caralho! Eu não sou cego! Eu estou a ver e estou acordado. Penso, logo mando os outros morrer longe. Não preciso de vocês. E acabei de matar o outro que estava em mim, no mesmo instante em comecei a escrever isto. Porque se tu não reages, és conivente, dizes que sim. Dizes que eles podem mexer com a tua vida e quando dás conta tens os bolsos cheios de nada e a alma de coisa nenhuma. 
Eu quero ser bem-vindo e entrar com o bilhete na mão, para ver um filme diferente. Estamos todos juntos, todos perdoados. E com a consciência tranquila. Sabe tão bem um final feliz.

Abraço. E paz, menos para os outros. Andor!